Porque a Kombi?
Quem nunca passou por um apuro danado, daqueles que depois que passa a gente fica dando risada sem parar... Hoje por exemplo tô rindo a toa, o acontecido foi durante o último
Audax 300 - ACPDF, mas com a epidemia da Síndrome de Kombi poderá se repetir em qualquer cenário.
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E pensar que a Kombi já foi só paz e amor! |
Infelizmente a onda de assaltos a ciclistas tem aumentado na região do DF, onde chegamos ao cúmulo de termos bikes roubadas durante eventos ciclísticos, o fato não é isolado, esta associado as grandes regiões metropolitanas como a
Grande BH,
São Paulo e por ai vai. Foi justamente deste medo de assaltos, no burburinho das trilhas, naquele papo da boca-miúda, onde surgiu a figura emblemática da Kombi Terrorista, reza a lenda que em uma trilha, não sei quando nem onde, que um amigo do amigo me falou, que a Kombi simplesmente parou na encruzilhada, na trilha, escondidinha lá ficou de onde sairiam assaltantes armados afim de renderem os ciclistas (as versões do mito urbano variam de 06 a 25 ciclistas) que tiveram as bikes furtadas. Deus milive-dess-tipo-dicoisa! CêBestrem!
Retornemos a história dos 300Km ACPDF. A largada da prova foi no Hotel Sonho Verde (Cristalina GO) ao longo da BR 050, de onde partimos a meia noite de sábado pra domingo, éramos uns 40 malucos e malucas, quem ainda não participou de um Audax acha que somos loucos, já para os que deste participaram não resta a menor dúvida. A largada da prova, a noite, sempre será um show a parte - o enxame de vaga-lumes, sai girando forte e sempre tem uns mais competitivos, doidos ou sei lá o que, que saem socando a bota, a La Sprint Final Du Tour de France! Tudo bicho-doido.
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Roger Ban - O Escriba - É nóis! |
Aos poucos fui estabelecendo um ritmo confortável, não me deixei envolver pela empolgação do Cumpadi Sílvio que de cara imprimiu um ritmo alucinador, junto ao Tim e o Vinny (estes são bem velozes) nos deixando na poeira, daquela madrugada, deviam estar a mais de 35km/h, numa subida e iniciando uma prova de 300 km! Ahê... Loucura, Loucura... quem me vê falando assim, até pensa que sou normal.
Já tínhamos rodado uns 40 km, quando falei para o André Lubrimax e o Clóvis, que agora também estavam no meu ritmo: - O negócio é o seguinte, manter um ritmo de bate-papo, conversar sem ficar ofegantes, se forçar agora, depois não chega, parceria na noite é prudente e bibibi, bobobó, fomos conversando... Descobri pelo sotaque mineirim, que o Clóvis era mais um homi-baum-demais-bsurdaconta e junto ao Lubrimax, seguimos em trio girando e fofocando pela noite afora, mesmo vendo as luzes dos velozes ponteiros sumirem na escuridão. Ohhhh tremdoido!
O asfalto duro.
ACIDENTE!!! ACIDENTE!!! ACIDENTE!!! Com um farol na mão o Cumpadi Sílvio sinalizava a BR a nossa frente, paramos e ao olhar o asfalto ensangüentado, o capacete rachado, bike deitada no acostamento e o sangue que corria copiosamente da cabeça do Tim todos gelamos. Eles estavam descendo a quase 60 km/h em pelote e ao voltar do acostamento desnivelado o Tim deu aquele toquinho na roda do Vinny que ia na frente, foi o bastante para se desequilibrar e ir ao chão. Ficou desacordado por uns instantes, o Sílvio o arrastou para o acostamento, enquanto o Vinny cuidara de retirar a bike da rodovia
Examinei a cabeça do cabra, parecia um corte não tão profundo, fizemos algumas perguntas e relaxamos pois apesar da confusão mental que o homem estava, meio trololó, não parecia ser nada grave. algumas escoriações, mas nada quebrado, pedi pra comprimir o ferimento e estancar o sangramento, mas teria que fazer um curativo e pontos. Ficamos ali por uns 10 minutos, quando começaram chegar mais ciclistas. O Vinny decidiu buscar o carro que estava há uns 4 km dali, para resgatar o Cumpadi Washington e sem poder fazer mais nada e evitar que as pernas esfriassem denaus voltamos a girar. Bora?
Tô pronto pra outra - PBP - Bora?
O Henrique e o Juan, assumiram a diateira e seguiram na frente com o Marcelo logo atrás, um pouco mais na retaguarda ganhamos a companhia do Alesandro e Dom Valentin (seu pai) o Sílvio depois do susto também agregou, todos íamos calados, mas dava pra perceber a apreensão no ar, enfim aquele tipo de tombo poderia ter acontecido com qualquer um de nós, seguimos juntos até a Ponte Alta para uma paradinha básica, ao sairmos o Mestre Osvaldo e o Pr. Eberte, que iam chegando deram notícias do Tim e algumas considerações, o que nos tranqüilizou de certa forma.
A Síndrome da Kombi!!! Valha-me Deus!!!
Depois do lanche da madrugada, agora um pouco mais relaxados com notícias do Tim, seguíamos pela BR bastante remota, como de costume. O Henrique foi embora sozinho... devia tá rendendo que é uma beleza, as vezes por mais que a gente queira permanecer em grupo durante um pedal, as pernas não deixam, parece hipnotismo, o Marcelo também se desgarrou um pouco a frente e vínhamos fechando aquele grupo um pouco mais atrás, quando de novo começa outra gritaria na escuridão do cerrado.
- NÃO MORRE NÃO NEGÃO!!! AHHH MEU DEUS DO CÉU!!! ME AJUDEM!!! NÃO MORRE NÃO MEU IRMÃO!!!
Estes gritos lá na frente da BR, fizeram todos gelarem novamente, no meio da escuridão cada um tentava imaginar o que estava a frente do Marcelo que parou no acostamento. - Que diabos as bruxas estão soltas? Pensei. Fomos girando bem devagar. O que é que foi, ai ??
- AAHHHH... NÃO MORRE NÃO NEGÃO... TÁ LÁ NO CAMINHÃO.... (A voz gritava desesperada) NÃO MORRE NÃO.... AHHH MEU DEUS!!!
Ai minha Nossa Senhora, Divino Padre Eterno - acho que o ciclista tá lá debaixo do caminhão, deve tá preso debaixo das ferragens do caminhão... Disse o Clóvis... Pensei... Negão? Puta merda! Será que aconteceu algo com o Henrique. O que é que foi? Marcelo? Henrique? Gritávamos, jogávamos farol e ninguém conseguia saber o que havia acontecido, de repente vimos alguém estendido no acostamento, sinalizando no sentido contrário com uma pequena lanterna...
- AJUDEM!!!! TEM GENTE NO CAMINHÃO!!!! NÃO MORRE!!!!
Enfim ali estava a alma penada que gritava, tinha desgovernado um caminhão dentro do cerrado e pedia por socorro, no acostamento. Será que não era uma armação? Será que não é trote? Gritou alguém! Caramba até agora não entendo direito, mas o medo era tamanho que alguém ainda pensou, em alguém passando um trote na BR deserta as 02:00 da manhã. Pegadinha? Armação? Roubo? Eu já havia passado pelo acidentado e pensei: Bom já vi que não é grande coisa, vou voltar e ver direito o que aconteceu. Fui terminando de pensar e adivinhem qual o carro que parou para socorrer? Lá no outro acostamento?
A KOMBI!!!! A KOMBI!!!! ELA MESMO!!!! AFHHH!!!
A DESGRAMADA DA KOMBI BRANCA!!!
ENFIM DEVE SER A QUE ROUBA OS CICLISTAS DE BANDO!
FOI ALGO COMO VER A MULA SEM-CABEÇA DOS CICLISTAS!
Nisto o Sílivio, que vinha logo atrás, deu um daqueles seus sprints clássicos a mais de 60km/h e passou por mim gritando:
- VAZA MESTRE!!! VAZA MESTRE!!!! AQUI TÁ CHEIO DE BANDIDO!!! BORA MESTRE!!! SÓ TEM BANDIDO!!!! NESTA REGIÃO!!!! OLHA A KOMBI!!! MESTRE!!!!
As pernas bambearam, os cambitos faiaram e eu pensava... Se voltar perco a bike ( tava tão perplexo, que conseguia até ver os vultos da galera entregando a deles pro "moço" da Kombi) se seguir eles vem atrás e atiram. Caramba! Vou desligar o farol e correr pro mato! Que situação, socorro quem? Finalmente tinha acontecido na mente e naquele momento fugaz - O encontro marcado de Roger Ban com a MULA SEM CABEÇA DOS CICLISTAS!
- Até agora não consigo descobrir como aquilo acabou... Mas acho que mesmo a uns 800 metros dali ouvi o Alessandro, falando algo como: - Olha o socorro já chegou ai moço, nós estamos de bike e não podemos te ajudar... Alguém também completando que realmente havia um caminhão lá no meio do cerrado ( este eu vi com meus próprios olhos no retorno durante a manhã seguinte)... fui girando devagar com as pernas ainda travadonas com tanta adrenalina..
O Pelote se reagrupou, o susto fora grande, de agora em diante todos seguiriam juntos, o André de vez enquando pedia pra quebrar o ritmo e seguimos juntos por quase 2 horas, pernas bambas, orações do Clóvis, comentários de todos nós, cada um dava sua versão da assombração, que medo danado, que sensação confusa, no meio do nada, sem luz, sem eira nem beira.... Afhhhh... Eu ouvi várias juras de nunca mais fazer Audax (mas com Randoneiro, aprendi a nunca acreditar nelas). Além de tudo o Primo de Cristalina, que conhece a região pedalando por ali há mais de 10 anos, nunca ouviu falar de assaltos a ciclistas por lá, mas sabe como é: A Síndrome de Kombi é metropolitana como nós.
Seguimos juntos no pelote quase até o alvorecer, hora contando umas piadas redundantes de gaúchos gays, hora relembrando a assombração e lá pelas 05:30, durante um café da manhã abençoado providenciado pelo filho do Francisco Carlos, próximo ao Texaco Planet, ficamos sabendo se tratar de um bêbado que desgovernara um caminhão cerrado adentro com seu parceiro. Mas a noite, com as histórias de assombração e o medo tomando conta, os pensamentos devaneiam.
O final - Hora do Socar a Bota! Arrocha!
Quando o dia clareou as energias voltaram, o temor da Kombi havia se dissipado, tomamos um Toddy e pão com ovo lá no Eldorado - gasolina azul! Viemos encontrando os outros ciclistas, uns meio quebradões, outros animadões, talvez nem tomaram conhecimento desta história, mas provavelmente também sofrem de Síndrome de Kombi, ou da do Motoqueiro Fantasma (qualquer dia falo sobre esta, que também habita o ICC - Inconsciente Ciclão Coletivo).
Próximo a Pires Belos avistamos um Lobo Guará que cruzou a nossa frente, este não era assombração, era de verdade, grande, robusto, feliz a celebrar o alvorecer maravilhoso e a natureza do nosso cerrado, a alegria do Audax ACP DF, fluiu novamente para as pernas, ganhei um impulso extra com a saudade do meu netinho, como diz minha filha - A cosmaslindinha do vovô. Arrochei! Soquei a bota! Maltoextricnei! Ritmo forte! Fechei estes 300 com meu melhor tempo e isto as vezes é muito bom, é como se tivesse atrasando um pouco o relógio da vida, enfim estou mais forte agora que no passado, celebremos então!
" A água turva não mostra os peixes ou conchas em baixo; o mesmo faz a mente nublada."
NAMASTÊ.
fotos fonte: Vinny, Demeure, figurama.com.br.